Aluguéis de imóveis em época de pandemia
Entrando de forma efetiva no quinto mês de isolamento social com forte turbulência econômica decorrente da pandemia causada pelo coronavírus, locadores e locatários ainda encontram dificuldades para contemporizarem as obrigações e responsabilidades assumidas outrora, onde havia um período de “normalidade”.
Entre a edição de leis, decretos, medidas provisórias e portarias, impostas por todas as esferas governamentais para impor medidas preventivas e restritivas, a vida social do brasileiro e a economia do país acabou sendo inevitavelmente afetada, sendo necessário que o cidadão se adaptasse para tentar passar ileso durante este período.
Parte dessa adaptação foi a disseminação do home office, terminologia esta que para muitas empresas era, até pouco tempo, considerada um tabu e que era encarado como de difícil aplicabilidade diante da ausência de controle dos funcionários.
Fato é que com a concretização desta “nova” modalidade de trabalho – podemos assim dizer, os espaços físicos alugados deixam de ser utilizados em sua plenitude, sem deixar de permanecerem locados, mantendo-se em vigor a cobrança do aluguel.
Por sua vez, diante do desequilíbrio econômico-financeiro contratual em função do impacto causado pelo novo tipo de modalidade de trabalho ou do próprio desaquecimento da economia, tornou-se necessária a abertura do diálogo entre as partes para evitar a rescisão do contrato e de eventuais desdobramentos punitivos pelo inadimplemento.
Embora haja em grande parte dos contratos de locação a previsão de reajuste anual do espaço locado, os artigos 17 e 18 da lei de locação estabelecem que a convenção do aluguel é livre entre as partes envolvidas, prevendo ainda a possibilidade do locador e locatário, de comum acordo, negocial de boa-fé um novo valor de aluguel ou modificar a cláusula de reajuste.
Tal previsão, inclusive, vai de encontro às disposições previstas nos artigos 421 e 422 do código civil, que estabelecem que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato, cabendo aos contratantes guardar os princípios da probidade e da boa-fé, respectivamente.
Mas daí surge o questionamento: “Então, o que devo fazer se não conseguir alcançar um acordo razoável com o locador/locatário, com a aplicação do princípio da boa-fé?”
Atrelado à essa condição de bom senso e boa-fé entre as partes, acrescenta-se à esta receita a definição prevista no art. 393 do Código Civil, que prevê que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não houver por eles responsabilizado – que é nitidamente a aplicabilidade dos efeitos causados pela pandemia, vez que as esferas governamentais, por diversas oportunidades, condicionaram o fechamento de diversos estabelecimentos para controle do isolamento social.
Neste sentido, de acordo com a teoria da imprevisão dos contratos, é possível que um contrato seja alterado sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício, sendo indispensável a comprovação do nexo causal entre a pandemia e o não cumprimento do contrato.
Desta forma, não havendo consenso entre as partes, aquele que se sentir prejudicado poderá buscar o poder judiciário para dirimir a discussão. No Município de Blumenau/SC, inclusive, recentemente houve uma decisão incipiente neste sentido, onde um restaurante obteve por meio de medida liminar o direito de pagar parcialmente o aluguel de um shopping, diante de sua indisponibilidade.
A Magistrada, de forma irrepreensível, elencou que em “observância aos princípios basilares constitucionais como razoabilidade, proporcionalidade, função social da empresa e proteção do emprego, faz-se necessário preservar a empresa e os seus postos de trabalho, reduzindo, na medida do possível, os impactos da crise”, complementando que “para situações extraordinárias, que provoquem o desequilíbrio contratual, mas são transitórias, de modo que, em caráter excepcional, podem levar a modulação, igualmente temporária, das condições do contrato”[1].
Ressalta-se que embora sempre haverá o Poder Judiciário para dirimir circunstâncias controversas, o melhor caminho e a melhor solução sempre será o diálogo, com a aplicação da razoabilidade entre as partes, de forma a propiciar que ambos alcançam uma composição amigável e equilibrada. Afinal, em momentos de relativa “Normalidade”, é de dever moral de todos propiciar ao próximo, dentro de seus limites, uma oportunidade de superar a crise atual.
*Por Dr. Rodrigo Stachoviak Palermo, advogado associado (OAB/SC 27.886)
[1] TJSC 5010372-55.2020.8.24.0008