A ADI 2446/STF e o Direito Constitucional ao Planejamento Tributário

É garantia constitucional dos contribuintes, consubstanciada no caput do artigo 170 da Carta Magna, a livre iniciativa econômica – nesta compreendida a liberdade de planejamento tributário, a fim escolher formas lícitas para atos e negócios jurídicos que visem a menor tributação possível.

A edição da Lei Complementar n° 104/01, que incluiu o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, estabeleceu que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador do tributo ou natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.

Na exposição de motivos do Projeto da Lei Complementar n.° 104/01, justificou-se a inclusão do parágrafo único ao artigo 116 do CTN sob a alegação de que a autoridade administrativa teria permissão para desconsiderar atos ou negócios jurídicos com a finalidade de “elisão” – de forma que a nova previsão legal seria instrumento capaz de combater planejamento tributário praticado com abuso de forma ou de direito.

Diante da terminologia utilizada na exposição de motivos acima mencionada, a referida norma passou a ser chamada pela doutrina de “norma antielisão”.

A impugnação de constitucionalidade da norma, através da ADI 2.446, se funda na ofensa ao princípio da legalidade, da tipicidade cerrada, da separação dos poderes, exigência de tributos com base na analogia e interpretação econômica do Direito Tributário Brasileiro.

Iniciado o julgamento virtual, a Ministra Relatora, Carmen Lúcia, exarou voto pela constitucionalidade da norma, acompanhada pelos Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Alexandre de Moraes, restando o voto do Ministro Ricardo Lewandowski – diante de seu pedido de vista.

Em análise ao voto da Ministra Carmen Lúcia, partilho de mesmo entendimento, e entendo que o parágrafo primeiro do artigo 116 do CTN já está abarcado no ordenamento jurídico brasileiro pelo Código Civil.

Como bem ressaltado pela Ministra Relatora em seu voto, a norma não trata de elisão fiscal, mas de evasão fiscal, sendo inapropriado o termo “elisão” utilizado na exposição de motivos quando da elaboração do referido projeto de lei.

A elisão fiscal, conforme já mencionado, é direito constitucional do contribuinte de evitar ou diminuir a carga tributária, através de atos e negócios jurídicos lícitos, antes da ocorrência do fato gerador.

Ao contrário, a evasão tributária se consubstancia na prática de dissimular a ocorrência do fato gerador ou dos elementos constitutivos da obrigação tributária – depois de ocorrido o fato gerador – através de atos e negócios jurídicos ilícitos.

Tendo em vista tal distinção, as condições de validade dos atos e negócios jurídicos já se encontram delimitadas pelo Código Civil Brasileiro, de forma que, se inválidos perante a norma civil, serão também inválidos para o Direito Tributário.

Dessa forma, é premissa que a elisão tributária seja praticada em condições jurídicas de licitude, de modo que, os atos praticados com abuso de forma ou de direito, diante da ilicitude que lhes são inerentes, deverão ser desconstituídos.

Nesse sentido, não parece coerente considerar que a autoridade fiscal teria aval para tributar fato gerador não ocorrido – ou que esteja permitida a tributação por analogia. Ademais, o emprego da analogia não poderá resultar em exigência de tributo não previsto em lei (art. 108, I, CTN).

Além disso, a tipicidade e a estrita legalidade tributária se encontram expressamente previstas no artigo 150, I, da Constituição Federal – diante do qual é imprescindível previsão precisa de fatos que venham a gerar tributação.

Da mesma forma, o artigo 114 do CTN garante que o fato gerador é a situação prescrita em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

Destarte, o art. 116 do CTN condiciona de forma estrita a ocorrência do fato gerador e seus efeitos à efetivação da situação de fato ou de direito que o enseje.

Sendo assim, a prática de elisão fiscal, anterior à ocorrência do fato gerador, não deve ser objeto de controle ou destituição pela autoridade fiscal, tendo em vista que os atos e negócios jurídicos a ela inerentes precedem à ocorrência do fato gerador.

Noutro sentido, a desconstituição de ato ou negócio jurídico ilícito, cuja finalidade seja a evasão tributária, dar-se-á depois de ocorrido o fato gerador – o qual se pretenderá dissimular – mas já restará afigurado, bem como a obrigação tributária a ele inerente.

Dessa forma, a constitucionalidade decorre de que a norma em questão não se aplica às medidas de planejamento tributário que visem evitar a ocorrência de fato gerador.

Resta claro, também, que o texto normativo não permite ao fisco a análise subjetiva dos motivos, dos atos e dos negócios que ensejem elisão.

Mesmo porque, independentemente da motivação e das vias eleitas, se os atos e negócios jurídicos praticados com vistas à elisão são válidos perante a lei civil, consequentemente assim também o são ao direito tributário.

Restará, portanto, a aplicação do parágrafo único do artigo 116 do CTN, somente em face de atos e negócios jurídicos inválidos por ilicitude, de acordo com as condições previstas no Código Civil Brasileiro.

Assim sendo, para além da constitucionalidade da norma inserida pela LC n.° 104/01, a observância do direito constitucional do contribuinte às práticas de elisão, deverá ser estritamente garantida quando do estabelecimento dos procedimentos a serem dispostos em lei ordinária.

São estes procedimentos, na verdade, que deverão impor limites legais à atuação do fisco face aos contribuintes, a fim de impedir arbitrariedades e garantir que a autoridade fiscal não detenha poderes para tributar fatos geradores não ocorridos em lei.

Ao que tudo indica, o julgamento será pela constitucionalidade da norma, tendo em vista os votos já exarados nesse sentido.

No entanto, o posicionamento da Ministra Carmen Lúcia, no sentido de que o agente fiscal não pode utilizar analogia para definir o fato gerador, tampouco proceder à interpretação econômica, deixa claro que o julgamento pela constitucionalidade da norma não implicará, sobremaneira, em carta branca para que o fisco limite o direito do contribuinte ao planejamento tributário, inclusive quanto às medidas de elisão fiscal.

* Por Dra. Giovana de Fátima Baruffi (OAB/SP 229.457), advogada associada.

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